domingo, 24 de outubro de 2010

Vida Longa ao Rei!

Não me deixarei levar pelo povo
Vox populi Vox dei
Já não me diz mais nada
E mesmo assim
continuo de pé
- e pé descalço, dois,
pés descalços
vão cruzando as entrelinhas
entre as linhas do pensamento
único e solto:
que não se deixa levar.

Não me abate mais o ser humano
nem seus filhos
nem os filhos dos filhos
nem mesmo a cor,
nem mesmo o rastro,
nem a ingenuidade,
nem a maldade,
nem a incompreensão
nada, nada.
Nada que te serve
- não me serve!
Nada que te olha
- é cego para mim!
O outro, seu, dilema
- não é meu!
E faça a vossa vontade
só na terra,
só na terra,
não no céu.

O mundo colorido
o mundo inexistente
o planeta terra
até esse,
morreu para mim.
Fez-se resistência :
cera nos meus ouvidos,
náuseas,
sandálias nos meus pés,
botas
máscaras
tatuagens.
E é sem importância:
não me deixei levar.

Veja, para mim nada!
Não quero nada!
Por mim, apenas,
que venha o reino
o Teu reino
e não mais importa
o pão
o cálice
o vinho
as palavras
as religiões
o povo
a política
a democracia
os poetas
os planetas.
Não, nada.
Não me importa!

O Seu reino
a Sua verdade
o Seu domínio
e a Sua Glória.
E novamente:
A Sua verdade,
em todo tempo
em todas as almas
a Sua Verdade
Para todo sempre
Amém.

Vida longa ao Rei!

domingo, 10 de outubro de 2010

A escada das coisas

Música fatídica
é a música feita por aqueles
que não sabem o que é viver
a música.

Poesia estragada é aquela
que é feita pelos poetas
desesperados
que ainda procuram
sentido nas coisas.

Janelas abertas são
as fortes lembranças
de quem não viveu
e as dores de quem não sentiu
e o choro de quem riu.

Morte morrida é
a daquele que viveu e gostou
gostou tanto
tanto tanto tanto.

A fé dos mais fracos
é aquela medíocre
quem endeusa os homens
e adora os homens
e engana os homens.

O mundo redondo é
o dos seres humanos
que estão destruindo
o mundo redondo
dos seres humanos.

E o infinito é questão
de escolha, mas eu vou
rompendo tudo
como quem não quer nada.

domingo, 3 de outubro de 2010

Já estamos em outubro

Amigo, senta aí que agora é hora da verdade.

Em todo tempo evitamos sofrer, amigo, é, eu sei. Mas preciso ser demagogo: Sofrer agora é inevitável. A gente pensa que pode, mas não pode. A gente que pensa que quer, mas queria. A gente pensa que sente e nem sabe nada. Sofrer é necessário. Engrandece. Tornamos-nos grandes, meu amigo. Grande nas idéias, na cabeça algo novo, no coração algo velho.

Percebe a grandiosidade? Percebe essa dimensão? A dimensão do nosso sofrimento.

Estou cansado, meu amigo.

Estou cansado da sociedade. Ela nos diz muito, gostaria que ela ficasse calada. Ela é suja, nos limita, nos faz (não) pensar, ela brilha um brilho obscuro, chora um choro sombrio, faz as pessoas se tornarem ridículos. Pois é isso que nos tornarmos: ridículos. Medíocres, caçoadores de nós mesmos, impunes, rabadashs, conspiradores. Afinal de contas, irmão, hoje nossa luta é contra carne e sangue. Nós combatemos os nossos semelhantes, combatemos o ser humano. Nós suicidamos dia após dia. Pense bem: Dia após dia.

Você vê o constante terror que criamos?

Não dá pra dormir, meu amigo. Não se pode sonhar. A vida é o inquérito sobre nós mesmos. Não é vida, é imposta. É imposto. Sobre comida, bebida, sobre pensamento, sobre ideologias, sobre religião. É imposto para tudo nessa vida e, você já sabe, não se pode sonhar.

Religião, religião, religião, meu amigo: é um caso sério. É um caso sério ser enganado. É um caso sério ver o ser humano dominando a sua autodestruição. E eu fico repetindo “autodestruição”, “autodestruição”, que é para ver se alguém se toca.

Mas ninguém se toca, amigo. Ninguém se toca.

Há uma realidade explícita que eu não quero enxergar. Há uma sociedade bruta que eu não quero cometer. Há uma religião que mata. Há um coração pequeno que quer crescer.
Existe um sofrimento que engrandece. Mas será? Há cores, movimento, palavras.

É um gole de vinagre, com a boca seca, que somos obrigados a beber. É da matéria densa da vida que eu estou falando. É do copo sujo, do banheiro sujo. É tudo isso que você se você não fosse cego, veria, meu amigo.

É o vasto mundo, já dizia Drummond.

Mas eu sei. Eu sei que já estamos em outubro, e de nada adianta mais. Apenas construir o desconstruído e dar alma ao desalmado. Nós somos capazes, meu amigo, nós somos incapazes.

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