Tento disfarçar – e disfarço para mim mesmo. Ainda me lembro das palavras dela, nítidas, falando comigo. É um tempo que não se dá para esquecer... Tempo, esse, vivido com ela, em que recusamos muitas coisas. Recusamos nos prostrar, nos embebedar. Discordamos dos verbos, substantivos, pretéritos e palavrões.
Tento disfarçar mas sua imagem ainda me assombra em uns dias. Não digo, todos. Não generalizo. Mas sei, eu sei, o quanto é real. Palavras cantadas, sua voz doce, seus conselhos amigos. Lembro-me das vezes que não via mais nada de possibilidade no mundo e concluía: “não entendo”. No meu não entender, ela me entendia. “Eu sei, é tudo sem sentido”...
No meu ponto de vista, hoje sou alguém melhor. Não quero só reclamar. Reclamo, é claro, mas reconheço os crescimentos que a vida permite. Gloso mais, ouço mais, levanto-me mais. Conheci pessoas, conheci lugares, tempos. Poesia... muita! E de tanta poesia tenho me enchido. Devo, é claro, dizer que minha poesia é feita do improviso; e, sei lá, acho que é coerente, pois a vida também é toda improviso.
Ah... essas constatações! Tão verdadeiras, tantas verdades. E eu me lembro dela.
Uma vez, queríamos um céu só nosso. Outra vez, queríamos um mundo melhor. Coisas, coisas, coisas que só nós poderíamos coisar. Eu clamava por silêncio... e ela vinha com as melhores palavras. Eu clamava por amigos... e ela vinha ser a amizade perfeita. Clamava por água e ela matava minha sede. Pensava: “meu Deus”...
Sinto sua falta em dias normais. Como disse, tento disfarçar. Mas nem todos os dias são normais e por isso não é sempre que sinto falta. Não vivo de utopias. Não sou tão romântico. Não sei olhar para o vento e lembrá-la. Não sei olhar para horizonte e ver seu rosto lá. Não ouço uma canção com seu nome. Sou do tipo mais sofredor, que sente a falta na hora comum, no instante comum; sem esforço.
Queria alguém para conversar. Era sozinho. Era só eu.
Mas ela veio numa hora que se fez boa.
Não rebatia minhas palavras; amava-me.
Amava-me?
Um dia ela sorriu diferente. Meu Deus... E de repente havia muitas questões, muitas pessoas, muitas nuvens, cores demais. E de repente era o mundo mais sagaz, mais ousado, sem segredos. E me vi sozinho, me vi sem ela.
Nunca soube sobre a causa da sua indiferença. Uns dizem ter sido amor demais. Veja só: amor demais não é ruim, não. Não entendo o motivo da sua partida. Não concordo com o seu abandono.
Paro para pensar e percebo que talvez o recado do fim já tinha sido me dado logo no início... “Eu sei, é tudo sem sentido”.
Não sei. Realmente, me senti bem perdido, me senti triste, sei lá... Era muito ruim. Fiquei triste demais mas hoje nem tanto. Só um pouco. E das faltas que me atordoam ainda, a maior é pensar se ela, hoje, constata como estou constatando agora.
Hoje pensei nela ao lembrar-me da frase de Guimarães Rosa: “A colheita é comum mas o capinar é sozinho.” De certo... o capinar é sozinho, e para alguns, como eu, é repleto de lembranças de uma colheita que palavra nenhuma conseguirá denominar.
E o momento de parar chegou. “Eu sei, é tudo sem sentido...” Sempre foi, sempre será – respondo para mim mesmo.
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Indispensável conhecer a música "Andrea Doria", de Legião Urbana.
Deu pau na hora de criar os atalhos para os links, então cansei de insistir. Aí ficou feio mesmo. Estão aí:
http://letras.terra.com.br/legiao-urbana/46928/ >>> Letra
http://www.kboing.com.br/legiao-urbana/1-1023624/ >>> Música