segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O que não disseram a mim

Há certas reflexões não cabíveis em domingos e em nenhum outro dia. Não cabíveis, mas incisivas e muito prováveis. Eu, poeta que sou, de ainda pouquíssimo mérito, padeço de refleti-las.

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Certo dia olhava os amigos. E em sua realidade, estúpida e rápida, permanecia a admirá-los com uma força tão brutal, visceral, fazendo dele o mais heróico de todos. Haveria laços tão fortes quanto aqueles? Pensava que não. Compreender não era fácil, coisa alguma. De certo uns poucos aconselhavam, coisas entre coisas. E um dia soube de vozes, a mais inexpressiva, que amizade não ia: durava para sempre. Tudo muito bem à época de tais coisas acontecendo, olhos leais, segredos compartilhados, ombro a ombro: e era só gesto de cumplicidade. Mas vai-se, e foi-se, como todas as outras coisas da vida. E é nessa hora que olhar para trás torna-se uma tarefa peculiarmente difícil. Perceber a falta da não-falta, a incerteza, a ausência, sei lá, o encontro não encontrado, talvez. E no calar das coisas, é de sentir uma dor profunda e insólita, doendo em cenas não ocorridas e em expectativas não supridas.

Outro dia olhava os amores. E eram muitas, mas poucas, ao mesmo tempo, que desapareciam em palma da mão. Havia qualquer coisa no gosto, no cheiro ou no toque. Era agradável; e com prazer enorme vindo, se via também indo, singelo e calmo, trazendo toda a realidade de volta. Mesmo que quisesse criar contos, inacabados ou acabados, não poderia: faltava-lhe bagagem. Poeta que era, mesmo assim, se viu cercado de embaraços ao trazer para o papel o assunto do amor. Era coisa extremamente pessoal fazendo com que ele procurasse a sua própria poesia, não apoderando-se de poesia mineira ou itabirana. Doce era sentir amor por ela, mas não sabia dizer. Talvez o melhor modo fosse recriá-la em um reduto só seu, único e particular, dando a ela formas da sua vontade, que ele quisesse e como ele permitisse que assim fosse. Seria sua poesia criada, aquela única, para a tradução do amor. Mas essas coisas se vão também, porque tudo vai.

E um dia se pôs a observar as pessoas, de um modo geral. O trem, o ônibus, a rua. A Rua, o ônibus, o trem e às vezes algumas músicas. E foi-se tempo passando, tempo que demorava passar, tempo que era a própria vida escorrendo.

E continuava a observar. A menina que olha com olhar carinhoso para o pai, querendo que esse seja dela para sempre, mesmo pobre e sem condições de comprar-lhe o doce. Talvez fosse essa a imitação da última crônica de F. Sabino. Talvez.

Observava. O assassino, não tendo medo, mata o outro e mata a si. Mata crianças, mata adultos, mata homens e mulheres. E toda essas outras pessoas, ocupando os mais altos patamares da escala social, matando, pouco a pouco, mais pobres e mais humildes.

Ponderava. Não compreendia toda essa falta que era a soma de todas as presenças. De tudo que se passava, olhando as pessoas, desse modo geral, via laços. Sim, laços. O laço forte entre o pai e a filha, entre o assassino e o assassinado; e entre todos nós, pessoas que somos. Talvez era essa a compreensão que buscava, mesmo que em outras palavras. Laços... existente em todo mundo, em toda relação. Laços, pequenos e enormes, que acompanham as pessoas desde o nascimento e para sempre... A morte não rompe, torna-os mais fortes. E ele mesmo lembrava, em sua lembrança clichê, que quando alguém que amava morria, não se dava para esquecer nunca mais.

Irritado com sua própria constatação, cansou-se. E de tanto cansar-se, dormiu. E de tanto dormir, sonhou. E de tanto sonhar, acordou. E vida seguiu. E em outro dia, sem intuito de observar qualquer coisas que seja, poética ou não, lembrou-se daquelas constatações. Riu muito, meio que atordoado, meio bobo. Viu claramente a possibilidade de que os laços, que uma vez separaram, trouxessem de volta. Hesitou. Teve medo. Mas logo se esqueceu, porque tudo vai. Tudo na vida vai, afrouxando e estreitando. E era certo.

Melhor seguir em frente. Certeza.

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