sábado, 7 de janeiro de 2012

Pausa, como Mário Quintana

Em todo esse tempo de blog percebi muitas coisas. A mais consistente delas, e a mais linda de todas, é o fato de eu ter descoberto que é possível transformar todas as minhas percepções em palavras. Isso se evidenciou no blog, pois meu interesse na, digamos, “escrita” se iniciou em 2009, juntamente ao primeiro texto “Velas e Vidas”. Aquela metáfora ingênua e sem pretensões do primeiro texto foi se transformando, passando pelos veraneios literários de Drummond, pela Sertão imenso de Rosa, pela meninice de Sabino. E também pela fantasia de Lewis, Tolkien, Suzak. Outros autores, mais complexos, apropriados de questões filosóficas, também poderiam estar aqui. ~

Meu texto mudou, o que mostra que eu mudei. Hoje sou bem convicto na opinião de que as palavras são extensões do nosso corpo; são nossa parte e responsabilidade nossa. Escrever, portanto, é algo muito sério. E não que essa seriedade more nas preocupações ortográficas ou acerca do receio da opinião do leitor. Escrever é sério porque as palavras te entregam, elas deliberadamente te expõem. Não quero dizer que isso ocorra de forma explícita e escancarada, pois cada escritor tem sua maneira de utilizar o texto. Mas no fim das contas, o que está escrito ali e a escrita humana que há em cada escritor.

E o que eu digo com muita leveza que o que eu fiz aqui, nesse tempo de blog, foi isso mesmo: escancarei minha alma para vocês, querendo com isso buscar interpretações sobre mim mesmo. Ao escrever, minha intenção foi sempre buscar compreender. Sim: buscar compreender. Compreender o quê? Eu não sei. Até hoje. A vida, o tempo, o mistério. No entanto, talvez a grande compreensão que sempre busquei (e continuarei) é do meu próprio mistério, do meu próprio eu – e esse mundo que habita dentro dele.

Tentei descobrir sobre minha necessidade constante de conhecimento; e depois eu questionei esse conhecimento. Indo e vindo, entre esse dois pontos, falei sobre amigos, relacionamentos, Deus, sobre as pessoas. Diversos assuntos e uma só pretensão. Penso que o escritor (ou leia-se: eu mesmo na terceira pessoa) peca exatamente nessas constatações infinitas de coisas diversas, quando a única coisa que ele quer é entender a si próprio.

E talvez sejam essas constatações que me levam a uma maior ainda: a necessidade de dar um tempo nos textos. Acho necessário, buscando conservar meu dispositivo mais precioso, a ilustração de mim mesmo: os óculos.

Óculos. Depois de tantas coisas captadas, modificadas, transpassadas, acho que eles estão velhos demais. É necessário que eu retire-os, buscando um olhar diferente sobre eles, questionando sua vida (pois a essa altura já tem vida), sua morte (a essa altura poderá ter morrido), suas vontades.

Pousar os óculos sobre a mesa, dar pausa, como fez Mário Quintana. Ver neles formas de insetos ou ciclistas; meninos ou homens grandes; vida e morte; linha e movimento. Tantas formas têm os meus óculos!

Tenho certeza que voltarei. Sei que quando se descobre as palavras um pacto é feito: entre você e elas. Uma hora ou outra elas voltarão mais maduras, mais coesas e mais belas... E essa transformação – estou certo – fará bem para mim mesmo. E dessa certeza egoísta (existente no vale mais profundo do coração de um escritor) caberá a vocês, meus leitores, reterem o que – para vocês – é bom, de uma forma ou de outras formas.

Até breve!

Assinado: o Louco Wendell, dono dos óculos, em 2012


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PAUSA
Mário Quintana

Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na leitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
Com algum ciclista tombado?
Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
E enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso-comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois – Don Quixote ou Sancho? – vive uma vida mais intensa, portanto, mais verdadeira...
E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade de recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
E agora?
Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
“lo sonno um poeta o sonno um imbecille?”
Alternativa, aliás, extensiva ao leitor da poesia...
A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.
E daí?
- Mas o melhor – pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança – o melhor é repor os óculos no nariz.

In: A vaca e o hipogrifo.

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