- Jeová, seu nome é... Já! –
sempre dizia a minha avó. Na época que ela repetia fervorosamente (e
alegremente) este trecho do Salmo 68, davídico, eu não sabia que Já (ou Jah, ou Jáh) era uma forma contraída Yahweh
(o Jeová aportuguesado), que é o nome de Deus; SENHOR, o “Eu Sou”, Deus do povo
judeu. Para mim, Já era já mesmo, com letra minúscula, de agora, de right now, de já! E foi nessa
consciência infantil que por muitas vezes repetia, animadamente, o mantra de
minha avó: Jeová... seu nome é já!
Hoje sei, um pouco pela
saudade e um pouco pelo meu amaduecimento, que a história de minha avó permitia os dois
sentidos fonéticos de já. O primeiro, relacionado à religião, era evidente.
Pentecostal rigorosa, tinha os joelhos calejados de ajoelhar-se para orar. Pilar
de fé para todos os que conviviam com ela, saíra uma vez de Itatiauçu, onde
morava, até Betim (numa época que não existia telefone), para amparar minha mãe
que estava no Hospital por conta de uma mastite. Como ficou sabendo? O próprio
Deus (o Jeová) disse a ela de manhã, quando orava: “Vá para a casa de sua
filha... a casada... de Betim” – algo assim. Coisa de fé. Enganam-se aqueles
que pensam que a vida de um religioso, um protestante, é sem propósito. Minha
avó me provou de sua vida e do propósito dela, abalizado pela fé fervorosa, mas
pela consciência clarividente de suas atitudes; senhora de si, que vivia sem
nenhum (ou pouco) auxílio financeiro de seus filhos e que com apenas com a sua
pensão mudava-se de casa a hora que lhe desse na telha.
Não a enxergo como fanática
e tampouco trago esta lembrança comigo.
Mas, sim, das vezes que aparecia aqui em casa e dormia no meu quarto, e tocava
violão e cantava músicas do seu hinário vermelho. Lembro-me da música sobre a história
de Balaão e sua jumenta, em que havia uma parte onde que jumenta falava; nesta
parte minha avó fazia questão de interpretar – e eu adorava! Também cantava
músicas sobre mares e sobre o poder de Jesus em lidar bem com estes: ora andava
sobre estes, ora acalmava-os. Um dia, para a minha surpresa, arriscou até uma
de Roberto Carlos.
Eu sempre a acompanhava em
suas peregrinações para ir à igreja, pois só admitia freqüentar a sua igreja, a
Igreja Pentecostal Deus é Amor. Uma vez,
inclusive, estando de férias em sua casa em Igarapé, me fez andar um longo
trajeto para ir ao culto. Como eu negaria? Estando com ela, eu era capaz, de
fato, de caminhar uma légua a mais.
O outro sentido de já, o
temporal, também perpassa as memórias que tenho de minha avó. Ela era a mulher
do agora, do ímpeto, do já. Tanto é que chegou a abandonar a própria casa, onde
morava sozinha com o filho adulto e problemático, para não ter que vê-lo enfurnado
em seus maus caminhos. Minha avó era a mulher do agora, de opinião forte, não
vacilava e não tutibeava. Talvez por ser mineira, ou talvez por ser crente, era
a mulher do sim-sim ou não-não: não
havia outra opção. Era a mulher do já; não se importava em tomar remédios, mesmo
consciente de seu coração frágil, pois acreditava no propósito divino. E ainda
assim trazia um carinho misterioso, aconchegante; algo nos olhos que brilhavam ou no cheiro agradável; algo que
nunca pude bem definir: coisa de minha avó. Sendo mulher do agora, também nos deixou rápido, aos 63 anos, de
surpresa. Era dezembro, mas não chovia. Quem me deu a notícia foi meu irmão: “Wendell, a avó morreu!”. “O quê?”, eu respondi, não com dramaticidade,
mas com uma surpresa sincera. Era
difícil compreender que aquela mulher não era mais do agora. No velório – vejam
só! – sorria... Premeditara, um dia antes, com tranqüilidade este fatídico
acontecimento – isso fui saber depois -, quando comentou com a enfermeira: “Jesus
está me chamando...”. Estaria ao lado de Jáh,
afinal.
É claro que eu gostaria que
ela estivesse conosco até hoje. Seria feliz ao ver seus bisnetos. Veria-me
formar. Veria os meus irmãos se formarem. Veria a sua filha formar. De outras
coisas, igualmente, penso que foi muito bem poupada. Aparecida Benta dos Reis. Digna
deste nome! Na memória fica a minha lembrança doce e infantil de sua presença
indescritível, de sua fé, de seu carinho e de plenitude. Na minha memória não será
sempre eterna, mas sempre atual, a mulher do agora, que a qualquer momento
aponta no meu portão, sobe a rampa e vem rindo para me abençoar. A minha avó...
a minha vó preta!
Melhor que amá-la é poder ter lhe conhecido.